terça-feira, 23 de maio de 2017

Eu, Daniel Blake: um filme sobre a reconquista da dignidade

I, Daniel Blake (2016)
Dirigido por Ken Loach


Daniel (Dave Johns) é um carpinteiro de meia-idade, viúvo e sem filhos. Trabalhador honrado e de larga experiência, ele é forçado a um repouso temporário, após sofrer um ataque cardíaco.

Sem renda, Daniel Blake começa uma via crucis em busca dos auxílios a que tem direito. Nesse árduo caminho, conhece Katie (Hayley Squires), uma mãe solteira que também está passando por maus bocados.

Vencedor do Festival de Cannes 2016 e do BAFTA 2017 de melhor filme britânico, o longa mostra como um sistema previdenciário burocrático e precário pode levar o ser humano ao subsolo da sua dignidade.

Embora a perícia médica constate que Daniel ainda não está apto a retornar ao trabalho, o seu auxílio-doença é negado. Há conflitos nas métricas oficiais utilizadas pelo Estado, pois mesmo sabendo que está impossibilitado, ele precisa receber a ligação de um perito para que possa recorrer. Enquanto isso, sem dinheiro, tenta recorrer ao auxílio-desemprego, contudo, as políticas públicas se transformam em obstáculos opressores que o impedem de vencer essa luta.

Em tempos de reformas políticas rolando em terras tupiniquins, eis que me deparo com essa narrativa sufocante sobre como um sistema tão austero do Estado - recheado de formulários "bugados", atendimento telefônico ineficiente, entrevistas irritantes e filas intermináveis - pode trazer tanta desumanização. 



O longa é ambientado em Newcastle, mas o local onde a saga ocorre parece passar despercebido. O que marca mesmo é a nossa identificação com o sentimento de impotência diante da burocracia de uma máquina estatal falida e imprestável. Esse desgaste corrói como um ácido letal que, por vezes, pode nos levar às chamadas doenças do século: depressão, ansiedade, transtornos e até mesmo o suicídio.

Acompanhar Daniel na sua batalha é algo angustiante, de verdade! Já sem forças, ele conhece a jovem Katie - desempregada, com dois filhos para criar e que também não consegue apoio do Estado no seu auxílio-moradia. Essa relação é o fio condutor por onde, brilhantemente, o diretor nos revela o verdadeiro sentimento de humanidade, nobreza e solidariedade.



É impressionante como Ken Loach conseguiu transmitir tanta intensidade diante de um roteiro tão simples.

Com o passar dos anos, pouca coisa verdadeiramente me emociona no cinema mundial, mas lá pelas tantas, no final do filme, meus olhos já tinham suado por muitas vezes.

Daniel não queria ser tratado como um cachorro. Daniel não queria ser tratado como um indigente. Daniel queria apenas ser reconhecido como um cidadão.